O blog Postal Verde
tem a satisfação de apresentar uma visão profunda e esclarecedora da situação
dos Correios na ótica de alguém que estuda minuciosamente a questão. Este
trabalho jornalístico não busca trazer verdades absolutas, mas ampliar os
horizontes de compreensão desta empresa fundamental ao país.
O entrevistado é
Igor Venceslau, Geógrafo doutorando em
geografia humana na Universidade de São Paulo (USP) e pesquisador do
Laboratório de Geografia Política e Planejamento Territorial (Laboplan/USP),
onde desenvolve o projeto de pesquisa "O comércio eletrônico na difusão do meio técnico-científico-informacional
no Brasil: usos do território e estratégias logísticas", com apoio
da FAPESP. Possui mestrado em geografia humana pela USP, com período sanduíche
na University of Kentucky - EUA, quando desenvolveu a pesquisa "Correios, logística e uso do território: o
serviço de encomenda expressa no Brasil", disponível para acesso
gratuito na biblioteca digital de teses e dissertações da USP (http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/8/8136/tde-03032017-160848/pt-br.php). Possui artigos e capítulos de livros em publicações
nacionais e internacionais sobre o correio, sendo sua mais recente publicação o
artigo "O correio como braço
logístico do Estado: a execução de políticas públicas por meio da rede de
agências postais no território brasileiro", na Revista Brasileira
de Geografia do IBGE, vol. 63 (https://rbg.ibge.gov.br/index.php/rbg/article/view/1823). Membro da Associação dos Geógrafos Brasileiros (AGB) -
seção São Paulo.
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1- Como é ser um jovem pesquisador no Brasil?
É muito gratificante, principalmente porque o Brasil é um grande
laboratório para pesquisas em várias áreas do conhecimento, das ciências
naturais às ciências humanas. Também há aqui no país um número significativo de
instituições de pesquisa consagradas, eventos científicos, revistas e períodos
de acesso aberto e gratuito, entre outros, que dão a base institucional para se
fazer pesquisa. Isso foi conquistado com muito trabalho e cooperação da
comunidade científica, além de todo investimento do Estado, por mais de um
século, colocando o Brasil num papel de relativo destaque quando o assunto é
ciência e pesquisa. Por outro lado, ser um jovem pesquisador no Brasil é um
grande desafio. Quase toda a pesquisa feita aqui é realizada nas universidades
públicas e financiada com bolsas através de editais específicos das agências de
fomento nacionais - CAPES e CNPq, principalmente estaduais como a FAPESP e a
FAPERJ. Desde o mestrado, minhas pesquisas são financiadas pela FAPESP -
Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo, que é a maior agência que
fomenta a pesquisa no Brasil, sem a qual eu não poderia estar trabalhando. É
muito bom que seja o Estado a financiar as pesquisas, assim podemos ter
garantia de liberdade nos temas a serem investigados. O problema é que na atual
conjuntura enfrentados duros ataques e cortes de verbas para as universidades e
para as bolsas de projetos de pesquisa, chegando o governo federal a até falar
em extinção do CNPq. Estamos ainda sob um ataque ideológico, pois a figura do
cientista e pesquisador começa a ser vista por alguns setores da sociedade com
desconfiança. Diante das fake news que são produzidas e
disseminadas rapidamente, é um desafio continuar investigando e buscando
conhecimento, que é uma atividade lenta e exige tempo, maturidade, reflexão.
Sem desenvolvimento científico não há futuro para um país, e por isso eu
defendo a universidade pública e a continuidade e ampliação dos investimentos
em pesquisa, ciência e tecnologia.
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2- Você tem participado de congressos e audiências públicas sobre os
Correios. Qual é sua percepção sobre esta participação?
No início foi uma grande surpresa começar a receber convites para
participar de discussões em espaços fora da universidade. Tudo começou com uma
entrevista na Rádio USP, o que nos mostra a relevância dos veículos de mídia
sérios em divulgar e pautar temas que pesquisamos. Boas partes das nossas
publicações ficam nas bibliotecas e nem sempre alcançam o grande público como
gostaríamos. Outras vezes os tomadores de decisão (governo, legisladores,
empresas, etc.) simplesmente desconsideram o investimento público em anos de
pesquisa quando vão decidir sobre algum assunto. Nesse sentido, para mim é
muito gratificante e desafiador poder continuar contribuindo com a sociedade
por meio da divulgação dos resultados das nossas pesquisas. Eu penso que
em espaços como audiências públicas sempre deveria existir uma cadeira para o
pesquisador/cientista, já que a universidade é a instituição que existe para
investigar e pensar a sociedade em todos os temas e problemas possíveis, e a
academia tem muitas respostas e saídas para nossos dilemas. Por outro lado, eu
também aprendo muito ao participar em audiências públicas, eventos e congressos
sobre os Correios, ouvindo vozes de pessoas com as quais eu não lido
cotidianamente - são os trabalhadores, lideranças sindicais, movimentos
sociais, políticos, parlamentares, executivos, entre outros. Assim, a minha
atividade de pesquisa se enriquece quando eu retorno de uma audiência, pois
trago novas perguntas e temas para trabalhar. Mesmo assim, continua sendo um
duro golpe apresentar uma informação fruto de longa pesquisa e perceber que ela
está sendo ignorada por alguns tomadas de decisão de plantão.
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3- Qual é o cenário internacional para este negócio chamado Correios?
É muito positivo. Desde o advento da Internet, todos os correios do
mundo passaram por uma reestruturação que se apresenta como a grande
oportunidade: o segmento de encomendas voltado ao comércio eletrônico. Somente
desde a consolidação do e-commerce no Brasil, em 2001, o
número total de objetos postais saltou da ordem de seis para nove bilhões de
objetos/ano, sem contar no aumento significativo do número de empresas
transportadoras que atuam também entregando encomendas. Se em 2004 as encomendas
representam somente 9,7% do total de objetos postais no mundo, hoje já
totalizam mais de 20% e seguem crescendo. Mas não são só em números totais que
crescem, pois o preço e o lucro obtido pela entrega de uma encomenda é muito
superior ao da tradicional carta. É assim que as empresas multinacionais
privadas de Correio triplicaram suas receitas somente nas últimas duas décadas
e se tornaram grandes interessadas em mercados nacionais fortes, como Brasil,
Índia e China. Para o futuro deste século XXI, aqueles países que conseguirem
manter seu serviço de correio público serão capazes de garantir uma integração
territorial com soberania, lucrar com os negócios virtuais e ampliar o acesso à
cidadania por meio de diversos serviços públicos via rede de agências postais,
diminuindo as desigualdades sociais e regionais. É o que já fazem a maioria dos
países populosos e de grande dimensão territorial como o Brasil, China e
Estados Unidos, este último sendo o país que abriga a maior empresa de correio
público do mundo.
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4- Qual a importância dos Correios para o Brasil?
Os Correios são o principal agente de integração do território
brasileiro. Por meio da capilaridade de sua rede de agências, é a única
instituição presente em todos os 5570 municípios brasileiros, cumprindo assim
os acordos internacionais a legislação nacional que define o princípio de universalidade
do serviço postal. Dessa maneira, por meio de cartas, telegramas,
encomendas e outros tipos de serviço postal, a população pode se comunicar,
enviar e receber mercadorias de pequeno e médio porte, etc. Para o Estado e as
empresas, o serviço postal é fundamental porque todos os dias toneladas de
documentos circulam pelo país pelos Correios, como a prestação de contas dos
municípios, contratos e aditivos corporativos, registros de fóruns e comarcas,
entre muitos outros. Para empresas de comércio eletrônico, os Correios são a
única possibilidade de que elas possam vender a consumidores independentemente
de onde estejam, pois a logística de suas mercadorias está garantida com a
entrega em todo o território nacional. Em todas as cinco regiões brasileiras,
sem exceção, a maior parte das postagens tem como destino cidades da própria
região, o que mostra a importância do mercado regional e desmistifica a idéia
de que no Brasil somente há postagens desde São Paulo e Rio de Janeiro para as
demais cidades. Mas, além de serviço postal, ao longo desses 350 anos o correio
foi fundamental como um braço logístico do Estado brasileiro, tendo participado
desde a consolidação das fronteiras até dos Jogos Olímpicos Rio 2016. Hoje,
podemos afirmar com base em pesquisa científica de que o Brasil é um país do
tipo que chamamos postal-dependente, ou seja, cujo
funcionamento e integração dependem, em grande medida, de um serviço postal público
e universal. Os melhores exemplos são as políticas públicas que no Brasil só
podem ser realizadas porque existe um acordo com os Correios, para que assim
executadas em todo o país. Sobre essas políticas públicas, estamos falando
principalmente de: entrega de medicamentos e vacinas do SUS; distribuição de
livros didáticos para todas as escolas; distribuição de provas de avaliação do
MEC (como o ENEM) e de concursos públicos; logística de material eleitoral;
emissão de documentos; serviço bancário, previdenciário e de pagamento de
impostos; serviço de exportação e importação; coleta de donativos e socorro a
regiões afetas por catástrofes; entre outros.
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5- Como as decisões de curto prazo, dos governos, podem afetar o
desenvolvimento estratégico, de longo prazo, dos Correios?
O atual governo federal desconhece ou ignora os 350 anos de história do
correio brasileiro e toda a sua importância fundamental para a integração
territorial e para o funcionamento da nossa sociedade tal qual existe hoje. Um
governo que decide por medidas como o fechamento de agências, o fim da entrega
domiciliária diária em vários lugares, a suspensão de concursos públicos,
programas de demissão voluntária, o sucateamento da infraestrutura da estatal,
a suspensão dos investimentos, etc. está optando pela falta de vacinas nos
postos de saúde, pela falta de livros didáticos nas escolas, pelo atraso na
entrega de documentos essenciais para os negócios das empresas, pela demora na
entrega dos milhões de mercadorias compradas pelas pessoas todos os dias. O
correio brasileiro não pode ser entendido somente como uma empresa pública que
está sujeita aos interesses, sempre efêmeros, de tal governo. Os Correios
precisam, sim, continuar servindo a interesses estratégicos do país, como
a manutenção da integração material e comunicacional de todos os entes
federados (união, estados, municípios, distrito federal). O governo federal
precisa apresentar, com urgência, qual é o plano que possui em como utilizar os
Correios para o desenvolvimento do país.
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6- Privatizar melhora ou piora a situação, para os Correios e para o país?
A privatização seria a pior conseqüência de um governo irresponsável e
despreocupado com a importância do correio para o país. Para os Correios, a
situação seria ruim porque geraria demissões em massa, menores salários e
fechamento de agência como ocorreram com as privatizações dos bancos estaduais
e outras empresas estatais na década de 1990, por exemplo. Também uma conseqüência
imediata seria o aumento das tarifas, o que acontece em outros países (como os
EUA) onde a tarifa das empresas privadas é sempre superior à da empresa
pública, além de não atenderem a todos os destinos. Isso já ocorre no Brasil se
comparados os preços dos Correios e de empresas de correio privado, que atuam
no segmento de encomendas. Sobre as conseqüências para o Brasil, um dado
alarmante: poderíamos dormir e acordar sem as vacinas e medicamentos na rede de
saúde; sem entregas de nossas compras feitas na Internet em diversos lugares;
tendo que consultar constantemente quais empresas oferece quais destinos; sem
livros didáticos nas escolas em todas as escolas a tempo do calendário escolar;
sem provas e concursos realizados nacionalmente ao mesmo tempo em todos os
lugares; com risco de afetar o sistema de eleições em urnas eletrônicas. A
chamada crise econômica também se agravaria, com o desemprego (os Correios são
o maior empregador do país), o subemprego (a maior parte das empresas privadas
contratam por regime temporário) e a diminuição dos negócios que dependem dos
Correios, como o e-commerce. Em síntese, teríamos menos cidadania num Brasil já
carente de cidadãos, além de comprometer gravemente nossa soberania nacional
com um serviço estratégico e sigiloso sendo oferecido por empresas estrangeiras
já envolvidas em diversos escândalos de espionagem e quebra da inviolabilidade
da correspondência postal, um problema geopolítico.
Por: Joel Arcanjo Pinto
Jornalista Colaborador do Blog Postal Verde
FONTE: